Por que ler Tsugumi?

Maria Clara Dantas
3 min readNov 4, 2023

Não está sendo fácil dizer goodbye pra Tsugumi.

Cheio de contradições, tão cru quanto crescer e superar a adolescência, Goodbye Tsugumi vive nas entrelinhas (uma característica omnipresente na escrita de Yoshimoto). Nas mentiras. Nos não ditos. Uma das passagens, que achei das mais poderosas, tira todo seu poder do que faltou dizer/fazer. Acompanhamos uma narradora que, naquele momento, escolhe ignorar as próprias sensações (ou substituí-las com força), sem conseguir (ou não querer) fazer sentido do que fez, porque seria difícil demais ir embora.

Goodbye Tsugumi é um livro fininho sobre despedidas. Um livro que explora uma amizade complicada entre duas primas. A história vive no ordinário dia-a-dia dessa convivência familiar, durante um ultimo verão, na cidadezinha litorânea em que cresceram juntas.

Paramos pra admirar a beleza do normal, cotidiano, imperfeito… cheio de frustrações, mas também cheio de alegrias, prazeres e amores inexplicáveis. Cheio de pesos e alívios que contornam tão bem nossos próprios relacionamentos — aqueles consistentemente presentes, diários. E a grandeza das relações construídas está exatamente nesse ordinário cotidiano. Está em olhar pro mar, lado a lado, sem dizer nada.

Nos constantes e inevitáveis reflexos dos nossos próprios relacionamentos, o livro nos faz refletir que, na maioria das vezes, o amor dos outros se esconde atrás de uma construção de ser alheio à nós, que, portanto, não podemos entender completamente. As expressões das coisas que sentimos pelo outro são filtradas por todas tantas camadas que a vida nos impõe. E existe muita beleza em conseguir (ou ao menos tentar) enxergar esse amor mascarado.

Tentar ver essas pessoas tão próximas de nós, por traz de todas essas camadas aparentemente sem sentido que as compõem, significa aceitar uma expressão de amor provavelmente diferente da nossa. E aceitar um amor diferente do nosso também significa aceitar um outro diferente da gente. Aceitar imperfeições diferentes das nossas. Significa tentar se encontrar no meio de uma compreensão compartilhada, em vez de tentar mudar o outro pra se encaixar na nossa compreensão.

Por meio do desenvolvimento de uma narração em busca de alteridade, o livro também traz pra reflexão a ideia de que a construção do nosso caráter, do eu, é tanto nossa quanto de todas as pessoas ao nosso redor. É como se estivéssemos constantemente juntando novas peças do quebra-cabeça do nosso eu, em perpétua construção. Encontramos umas peças embaixo do sofá, outras construímos manualmente, outras ganhamos de presente, outras caem das árvores, outras são impostas com força num espaço que teve que se moldar pra fazer caber. Conviver impõe uma construção coletiva de eus. Especialmente aquelas convivências que veem desde a infância.

Goodbye Tsugumi se passa durante um verão. Um último verão nessa cidade natal de Maria. Um último verão morando na pousada dos tios com as duas primas, em um mar de despedidas e significados costurados no pós, depois que tudo acabou. Por essa necessidade humana de fazer sentido de tudo.

Exploramos também a fragilidade e efemeridade — dos relacionamentos, das pessoas, da vida — incorporadas em Tsugumi, que nasceu com a saúde frágil. Maria cresce sabendo que, a qualquer momento, Tsugumi pode morrer. Talvez por isso, as despedidas tenham um peso tão grande, sejam tão significativas, e tão bem trabalhadas.

Essa certeza de fim que Maria tem em completa consciência desde que decide ir, é o que nos proporciona o valor que ela coloca em todas as pequenas coisas, todos os momentos que ela sabe que serão os últimos. Porque a certeza do fim, torna tudo tão mais valioso. E talvez isso também nos lembre da certeza dos nossos próprios fins. Talvez nos lembre de olhar melhor, aproveitar melhor, abraçar mais, viver com mais vontade essa nossa vida rio, que escorre por nossos dedos sem parar.

Um livro que me proporciona esse tipo de reflexão, com uma escrita tão simples, tão crua, é exatamente o tipo de livro que dói dizer adeus. Mas, como tudo mais, essa leitura também teve fim, e eu vou carregá-la na memória com muito amor.

--

--

Maria Clara Dantas

I’m MC, also known as Maria Clara Dantas. I’m a filmmaker, photographer and teacher who loves writing on her free time.